terça-feira, março 15, 2005

Design?

Com certeza que na lista das perguntas difíceis que nos é elaborada diariamente, o que é o design? surge como a mais problemática de todas. Não é por não conseguir responder à pergunta, mas pela dificuldade em resumir sucintamente o que o design representa ou significa. Não é um produto, não é um processo, não é um método, no entanto encaminha-se para ser um processo metodológico para desenvolver um produto. A indefinição que se tornou a definição do design faz-me recordar um pouco os tempos das descobertas em que se criavam criaturas gigantescas, mitológicas e histórias tenebrosas em redor daquilo que não compreendíamos. O facto é que a disciplina do design é tão abrangente que é quase impossível de se lhe definir os contornos.
A capacidade de nos exprimirmos de um ponto de vista prático e artístico e a capacidade de comunicarmos entre nós verbalmente são características que nos distinguem dos outros animais. O homem é um ser que “quer” evoluir, que procura adaptar o meio à sua conveniência, tornar objectos ou necessidades “problemas” em soluções práticas ou convenientes. O design é uma actividade orientada nesse sentido. Orientada ao utilizador, tem o propósito de servir alguém. Conseguimos criar contextos, narrativas, símbolos, mitos, valores semânticos, etc. por imposição ou indução. Criamos estes factores também por antecipação, prevendo novos contextos, novas narrativas, novos cenários. Através da melhoria das características de uso dos produtos, a sua fisionomia, qualidade estética, tempo de vida e pós vida, pretende-se melhorar sempre a qualidade de vida do utilizador. Consegue-se isso através de um sistema de feedback, onde todos os elementos interagem. O utilizador, o designer, a sociedade. Torna-se quase um ciclo vicioso de interacção e evolução. O utilizador tem uma necessidade, para colmatar essa necessidade recorre a um designer, o designer por sua vez, na sua pesquisa de resolução do problema, vai ser naturalmente influenciado pela sociedade que o rodeia. Ele produz para essa sociedade, automaticamente há uma evolução, porque se não houver essa evolução, ou o design não correspondeu ao pressuposto, não resolveu o problema, ou então há um retrocesso no processo de desenvolvimento desse produto.
O design está em contínua evolução. As primeiras manifestações, a necessidade de se impor como uma disciplina independente, a disputa entre as artes maiores e menores (Bauhaus), a sua ciencialização ou a sua capacidade de se complementar através de disciplinas como a ergonomia, sociologia, psicologia, todas elas ligadas ao indivíduo, a constante evolução da nossa sociedade, a procura contínua de novos materiais e métodos.
Surge hoje em dia o problema da ética no design. Cópia ou não? O facto de vivermos na denominada era da aldeia global torna esta situação a meu ver um pouco caricata. O design é um trabalho de investigação por natureza. Estamos constantemente a ser influenciados por este ou aquele motivo. Definir quando estamos a copiar ou não o trabalho de outrem torna-se cada vez mais polémico e contraditório. Polémico porque é quase impossível controlar-mos globalmente tudo o que é feito a nível do design. Se eu comprar um computador na Índia, fizer um logótipo para uma empresa de passar roupa a ferro, quem me garante que nos Estados Unidos alguém não faça um logótipo idêntico. Até que ponto seria isso copiar, se estamos a milhares de quilómetros de distância um do outro, nunca nos vimos nem conhecemos. Contraditório porque somos bombardeados diariamente com informação por todo o lado; internet, televisão, rádio, etc. automaticamente somos tendencialmente levadas a ter em conta o trabalho dos outros. Muitos designers trabalham hoje em dia com a plena noção de que tudo já foi inventado numa determinada hora, num determinado sítio qualquer no planeta. Victor Papaneck classifica o trabalho do designer como o que se conforma (mercenário de empresas movidas pela ganância), desempenha (criação da pseudo-arte para tornarmo-nos em celebridade dos media), deforma (alteramos o produto em função da teoria narcisista da investigação do mercado), desinformamos (quando o produto se distancia do aspecto ou da função), informamos (quando as nossas criações são afirmações sucintas de intenção), reformamos (criando tendo em conta a harmonia e o equilíbrio, trabalhando para os membros mais fracos da sociedade), damos forma (quando estamos dispostos a enfrentar as consequências das nossas intervenções no design). É evidente que estas “classificações” estão sempre presentes na nossa forma de trabalhar. Como designer vou tentar sempre ser um designer que concilie todas estas opções. Quero informar e dar forma sem ser um designer conformista ou em busca de uma glória temporária. Quando abandonamos a nossa fase de estudo e procuramos um emprego, a ideia e intenção com que partimos é de aplicar os conceitos que se têm vindo a desenvolver ao longo de décadas tornando a nossa capacidade de “fazer design” melhor, mais rápida e perspicaz, sendo também capaz de competir com qualquer mercado. A realidade é que a sociedade portuguesa ainda não está preparada para nos receber de braços abertos, ainda existe aquela desconfiança bairrista de que é impossível um designer fazer tanto a diferença. Desde os estudos para melhorar linhas de produção, a posição do trabalhador enquanto executa, as ferramentas com que trabalha, a visualização exterior da própria empresa, o designer consegue usufruir de uma linguagem global sendo capaz de comunicar tanto com um advogado como com um trolha, tudo para atingir um objectivo final. Nenhuma outra actividade consegue ser tão completa e possivelmente é daí que advém tanta desconfiança. O nosso papel de designer na sociedade portuguesa ainda é o de educar o cidadão, ou empresário, para a importância que a nossa actividade representa.

Em suma vivemos numa sociedade confusa. A capacidade de nos comunicarmos globalmente veio abrir um pouco as portas do desconhecido, ainda estamos a assimilar um pouco tudo o que a aldeia global representa. Termos acesso global a tudo o que é feito no mundo graficamente ou não veio provocar um dilema, o da cópia. Porque é que em Portugal não podemos copiar um logo que se faz no Japão, se eles sempre não vêm cá para o ver. Porque não! Não é ético. É este conceito que temos que transmitir aos nossos empresários. Temos como designers que os educar a ter respeito pelo trabalho dos outros, a criar uma ética no trabalho. Assisto diariamente a empresários que visitam feiras estrangeiras a trazer cópias fotográficas de modelos e ideias para copiarem em Portugal. Como é que conseguiremos competir num futuro próximo quando nos fecharem a porta a essas cópias. Muitos não sobreviverão, graças a deus. Cabe ao designer neste momento se “infiltrar” no mercado e lentamente mudar a opinião dos empresários, criar novas bases de trabalho e de confiança para com a nossa actividade, trabalhando arduamente em campanhas objectivas e sedutoras e expansivas.

o poder do pixel

O lento manuseio humano da maior parte da informação, sob a forma de livros, revistas e jornais, está em via de se transformar na transferência instantânea e barata de dados electrónicos movendo-se à velocidade da luz. Sob tal forma, a informação pode-se tornar acessível para todos. A informática não tem mais nada a ver com computadores, mas sim com a vida das pessoas. O gigantesco computador central “mainframe” já foi substituído por microcomputadores em quase toda a parte. Vimos os computadores mudarem-se de enormes salas com ar condicionado para os gabinetes, desktops e, agora, para os bolsos e lapelas das pessoas.
De futuro, os meios de comunicação de massa serão redefinidos por sistemas de transmissão e recepção de informação personalizada e entretenimento.
À medida que nos formos interligando, muitos dos valores nacionais cederão lugar àqueles de comunidades electrónicas maiores ou menores. A socialização em bairros digitais, nos quais o espaço físico será irrelevante e o tempo desempenhará um papel diferente. Daqui a 20 anos o que poderá ser visto por uma janela poderá estar a 8 mil km e 6 fusos horários de distância.
A multimédia interactiva deixa muito pouco espaço para a imaginação. Inclui representações tão específicas que deixa cada vez menos espaço para a fantasia. A palavra escrita ao contrário, estimula a formação de imagens e evoca metáforas cujo significado depende sobretudo da imaginação e das experiências do leitor.
A melhor maneira de avaliar os méritos e as consequências da vida digital é reflectir sobre a diferença entre bits e átomos. Embora não haja a menor dúvida de que se está na era da informação e onde a maior parte dela chega até nós sob a forma de átomos: jornais, revistas e livros.
A super estrada da informação nada mais é do que o movimento global de bits sem peso à velocidade da luz. Todas as indústrias, uma após a outra, perguntam-se sobre o seu futuro; pois bem, esse futuro será determinado pela possibilidade de seus produtos adquirirem uma forma digital.

Podemos considerar a tipografia como o conceito chave da comunicação visual, mas maquetar um livro ou uma página web exigem conhecimentos aparentemente idênticos mas ao mesmo tempo distintos, sendo pois que o output final será dois suportes distintos. O que pode ser benéfico num dos meios no outro pode converter-se numa barreira que afecte o processo comunicativo.
O Pixel provém das palavras picture e element. O verdadeiro poder do pixel provém de sua natureza molecular, uma vez que ele pode ser parte de tudo, desde texto até fotografias, passando por linhas de desenho. Quer se faça trabalhos de design gráfico ou tipográfico a verdade é que o computador será quase de certeza o meio da sua criação. O que quer que se crie no ecrã será para ser editado de uma forma ou de outra. Quer seja uma página de Internet ou um livro, implicará termos um conhecimento alargado de visualização no ecrã e do meio que pretendemos para que o trabalho final seja o que se pretende.
A questão fundamental é sermos capazes de imaginar um trabalho idealizado mentalmente de uma forma e “arranjado” visualmente de outra. O ecrã do computador é constituído por milhares de quadradinhos, os pixeis, alinhados por grelhas, e normalmente mediante a resolução do ecrã (maior ou menor) vamos conseguir visualizar melhor ou pior a imagem que pretendemos. Ou seja, a baixa resolução dos monitores é incapaz de visualizar detalhes demasiado pequenos para caberem nessa grelha embora os reconheça. Isso causa problemas na visualização, por exemplo, ao nível das letras serifadas onde os pormenores demasiado pequenos, não se conseguindo “ajustar” à grelha de pixeis, são re-ajustados ou simplesmente omitidos.
Hoje em dia o aumento da capacidade de resolução dos monitores diminui a grelha de pixeis, o que tem ajudado a equilibrar a imagem de ecrã com os outputs pretendidos, pelo menos já não existem disparidades tão acentuadas.
Há cerca de 20 anos Zuzana Licko, uma das co-fundadoras da Emigre, cria uma de muitas famílias de fontes, a Lo-Res. Criada com o recém surgido Macintosh, utilizou um software rude e limitado. A fonte surge, como muitas na altura, ditada como idiossincrática e de capacidades limitadas, com um futuro sombrio dado a anunciada chegada de computadores com ecrãs e outputs de alta resolução. Foi a questão da legibilidade e de um visual apelativo que aliadas à limitada capacidade dos computadores e ao facto de as impressoras de agulhas estarem em força, que levou à criação desta fonte.
As fontes pixeladas não tiveram vida fácil, talvez demasiado inovadoras em termos visuais elas fundamentalmente surgiram para tapar um problema tecnológico que foi rapidamente “compensado” e durante as décadas seguintes foram marginalizadas e postas de parte, mas sem nunca desaparecerem. Eram fundamentalmente utilizadas para temas ligados à tecnologia.
Com o surgimento de designers mais novos com uma formação de base já da nova era digital, habituados aos primeiros jogos de computador rudes e básicos, trazem consigo uma formação visual já habituada a esta tipografia. O uso frequente da Internet tem facilitado essa adaptação sendo que o pixel já é aceite como uma marca natural do computador como se tratasse de uma pincelada num quadro a óleo.
A Lo-res é uma síntese de fontes pixeladas criadas pela Emigre como a Base 9, Emperor, Oakland e agrupa-as num só nome. Tem melhoramentos técnicos em relação às demais, sendo mais consistente ao nível das formas entre os vários estilos e tamanhos bem como uma melhoria nos alinhamentos. O número que indica no nome representa a quantidade de pixels utilizados no corpo.
Ao contrário das fontes bitmap, a maioria das fontes usadas hoje em dia não tem uma resolução predefinida. São criadas com alta resolução fazendo com que as formas possam ser escaladas virtualmente até qualquer tamanho. Mas em tamanhos pequenos no ecrã continuam com os mesmos problemas de leitura.
A nova era digital, e o facto de toda a gente ter acesso a quase tudo, veio democratizar o design. Toda a gente tem a mesma oportunidade e ferramentas de trabalho que os profissionais usam. Embora com uma abundância de recursos e opções para poderem aumentar a capacidade comunicativa, a verdade é que sem conhecimento necessário do que se faz, a comunicação pode ser ainda mais difícil devido a confusões que se geram na transmissão das ideias. Tal como saber como funciona na íntegra o meu carro não faz de mim um mecânico, qualquer pessoa com um computador e os programas adequados não se pode qualificar como designer. Embora seja essa a ilusão criada, o que distingue um designer dos demais é a capacidade de aplicar os seus conhecimentos e justificar a selecção que fez de entre milhares possíveis ao seu dispor.
O poder do pixel acaba por ser a necessidade de conhecer o plano em que trabalhamos. Compreender o computador e como visualiza a informação que lhe damos. Embora os programas facilitem cada vez mais o nosso trabalho como designers, e estejam mais potentes e com monitores de resoluções quase impensáveis, a questão do conhecimento e da aplicação do mesmo continua a ser a pedra basilar para nos permitir comunicar de uma forma simples, ordenada e facilmente compreendida por todos.